(…)Alguém aparece com churrasco. Agora está cheio de jovens bem-humorados. Maduros, idosos e até crianças diferenciados. Somos muitos. A avenida Higienópolis está tomada. Não passam mais carros. Das imensas sacadas dos prédios, moradores do bairro, imóveis e aparentemente em silêncio, observam a tudo.
Passo a me esgueirar entre a multidão. Encontro gente que conheço e que não conheço e me conhece e eis que, de repente, vejo, diante de mim, dois colunistas da Folha de São Paulo.
São Fernando de Barros e Silva e Sergio Malbergier, aquele que andou escrevendo sobre o direito dos ricos de não quererem metrô na porta deles. Abro-lhes um sorriso como se fossem velhos amigos e, para minha surpresa, percebo que me reconhecem, apesar de jamais termos nos visto pessoalmente.
– Eu conheeeço você – digo a Barros e Silva, em tom jocoso –, e você também – estendo o cumprimento a Malbergier.
Digo que li o texto de Malbergier e que estava “um primor”. Ele sorri, simpático, como se não ligasse para a ironia. Barros e Silva, porém, fecha a cara, aproxima-se e diz:
– Olha, eu respeito você, Eduardo, mas as suas posições são primárias…
Respondo:
– Eu acredito que você pensa assim, mas não são as minhas posições que são primárias, são as suas que são muito avançadas, próprias para Londres, Paris, Amsterdam…
Barros e Silva franze ainda mais o cenho, percebo os dentes trincando, dá-me as costas, empina o queixo e diz, sem se voltar: “Está vendo como você é primário?”. E sai andando.
Comento com Malbergier: “Ele está zangado, né?”. E ele, sorridente: “Está zangado”.
Bato no braço dele, despedindo-me, e dizendo que acho positivo que tenham ido até lá. E caio no meio da galera.
Dali, a manifestação começa a se mover com batucadas e jovens à frente. Avançam em direção à avenida Angélica. Dobram à direita e começam a subi-la. Ocupam as duas pistas. Olho para a avenida e, diante de nós, está vazia de veículos até onde a vista enxerga. Nos prédios em volta as pessoas se debruçam nas janelas e sacadas. Policiais e agentes da CET parecem nervosos…
Peço ao comandante da operação que me diga o número estimado de manifestantes. Ele tasca 600. Digo que ele só pode estar brincando. Havia mais de mil pessoas fácil, ali. Saio meio zangado, batendo o pé, e nem agradeço. Depois reflito que o oficial não teve culpa. Estava cumprindo ordens.(…)
Enfim, foi mágico para este coração cinqüentão de um homem que cresceu em um país em que fazer um ato daquele significava ser espancado e até preso e torturado, quando não assassinado. E o mais lindo foi ver os jovens exigindo direitos, pregando igualdade com calma, bom humor, pacificamente.
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