quinta-feira, 7 de julho de 2011

SEMANA WIKILEAKS: Morte por mil mordidas, corrupção municipal no Brasil

Telegrama de 19 de maio de 2004 fala sobre as mais variadas formas de corrupção que acontecem nos municípios brasileiros, descobertas pela Controladoria Geral da União. Segundo o texto, os roubos do orçamento público são como picadas de “formigas de fogo”.

Por Andrea Dip, especial para a Pública

No começo de 2004, a imprensa começou a repercutir denúncias feitas pela Controladoria Geral da União (CGU) a respeito de casos graves de corrupção nas prefeituras, que estariam desviando cerca de 20 bilhões de reais por ano dos cofres públicos.

A mensagem da embaixadora americana Donna Hrinak começa dizendo que as investigações da CGU identificaram “uma grave corrupção em mais de dois terços dos municípios inspecionados, enquanto a maioria dos restantes contabilizam inúmeras irregularidades” e chama as denúncias de “histórias de horror”.

O documento diz que o impacto financeiro das “formigas de fogo” na economia brasileira era impressionante mas que, apesar da campanha “louvável” da CGU, não havia planos por parte do governo brasileiro em atacar a corrupção. Uma reportagem da revista Veja embasa alguns números publicados no texto. “A revista Veja, de maior circulação no Brasil, falou sobre o assunto em uma matéria intitulada ‘Uma praga nacional – corrupção e inepcia nas prefeituras desviam mais de 20 bilhões de reais por ano’. Usando a analogia das formigas de fogo, a matéria lista um grande número de prefeitos, vereadores e outras autoridades corruptas que desviam recursos federais destinados aos seus municípios e diz que o montante é enorme. Mais de 107 bilhões de reais do orçamento federal foram destinados aos 5.560 municipios no Brasil, um número que aumentou quase 70% desde 1995. Desta quantidade, ao menos 20 bilhões desapareceram através de comportamento corrupto ou inepto”.
O texto explica o programa de fiscalização de municípios a partir de sorteios públicos da CGU criado em 2003, que usa o mesmo sistema de sorteio das loterias da Caixa Econômica Federal para definir as áreas municipais e estaduais a serem fiscalizadas. “Depois de completar auditorias em 200 municípios, a CGU identificou 139 (70%) como severamente prejudicados. Apenas sete (3,5%) foram considerados com gestão clara e precisa”.
As formas de corrupção usadas pelas prefeituras também são listadas no documento: pagamentos duplos de contratos, superfaturamento, empresas fantasma, bônus extra para funcionários, nepotismo, cheques borracha, desvio de dinheiro público para contas pessoais, uso pessoal de veículos oficiais e práticas de contabilidade falsas.

Uma das questões mais preocupantes para a embaixadora, parece ser o não funcionamento dos conselhos comunitários, que deveriam supervisionar os atos dos prefeitos de dentro das cidades. “Na maioria dos casos, os conselhos foram criados apenas formalmente, mas nunca existiram reuniões e muito menos uma conduta pública real de supervisão. Imparcialidade dentro dos conselhos é rara. Muitos membros, muitas vezes funcionários da prefeitura, foram selecionados pelos prefeitos, que também eram os responsáveis pela utilização dos recursos federais”.

O documento aponta o norte e o nordeste do Brasil como as áreas com maior nível de corrupção e cita que há ligação estreita entre corrupção e “atraso político”, segundo Waldir Pires, então ministro-chefe da Controladoria-Geral da União. “Ele observa que as auditorias feitas em um pequeno número de municípios nordestinos identificou em apenas um mês o desvio de 17,7 milhões de reais da SUDENE, uma agência que foi finalmente dissolvida por corrupção endêmica e ineficácia.”

A “praga” dos vereadores

Em um segundo momento do telegrama, Hrinak diz que o governo federal também tem sua parcela de culpa. “Os municípios recebem 15% de todas as receitas ficais ao contrário das cidades do México, por exemplo, que recebem 3%. Existem mais prefeitos e vereadores do que nunca antes no país. Desde o início da década de 1990, mais de 1000 municípios foram criados, muitos sem justificativa legal, econômica ou social. O país teve de sustentar 60.276 vereadores. Uma decisão do Supremo Tribunal Eleitoral (TSE) reduziu este número a nível a 8.500, um passo que muitos acreditam estar na direção certa. Mas o congresso está lutando para aprovar uma emenda constitucional que aumentaria o numero para 51.700”.

Donna Hrinak conclui o telegrama dizendo que embora seja impossível evitar que as “formigas de fogo” piquem o orçamento público, a campanha de inspeção da CGU tem um impacto positivo ao documentar tantos casos e mostrar a dimensão do problema antes das eleições de outubro (que aconteceram naquele para prefeito e vereadores). A embaixadora americana critica e elogia, colocando que a identificação da corrupção é apenas parte da batalha: “ainda não há evidências de um plano de ação do governo brasileiro para atacar o problema com processos eficazes, resistência e atos políticos, como restabelecer os conselhos municipais”.

Em 2011, casos de corrupção nos municípios ainda recheiam páginas de jornais. Em entrevista dada `a BBC Brasil em dezembro de 2010, o ministro-chefe da Controladoria-Geral da União, Jorge Hage disse que as auditorias realizadas pela CGU junto aos municípios encontram “coisas assombrosas”.

A batalha do Supremo Tribunal Eleitoral para reduzir o número de vereadores também não deu certo. O Brasil tem hoje 51.992 vereadores e, segundo cálculos da Confederação Nacional dos Municípios, em 2013 o número deve subir para 59.708, por conta do aumento populacional registrado pelo censo do IBGE de 2010.

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