Telegrama de 19 de maio de 2004 fala sobre as mais variadas formas de corrupção que acontecem nos municípios brasileiros, descobertas pela Controladoria Geral da União. Segundo o texto, os roubos do orçamento público são como picadas de “formigas de fogo”.
Por Andrea Dip, especial para a Pública
No começo de 2004, a imprensa começou a repercutir denúncias feitas pela Controladoria Geral da União (CGU) a respeito de casos graves de corrupção nas prefeituras, que estariam desviando cerca de 20 bilhões de reais por ano dos cofres públicos.
A mensagem da embaixadora americana Donna Hrinak começa dizendo que as investigações da CGU identificaram “uma grave corrupção em mais de dois terços dos municípios inspecionados, enquanto a maioria dos restantes contabilizam inúmeras irregularidades” e chama as denúncias de “histórias de horror”.
O documento diz que o impacto financeiro das “formigas de fogo” na economia brasileira era impressionante mas que, apesar da campanha “louvável” da CGU, não havia planos por parte do governo brasileiro em atacar a corrupção. Uma reportagem da revista Veja embasa alguns números publicados no texto. “A revista Veja, de maior circulação no Brasil, falou sobre o assunto em uma matéria intitulada ‘Uma praga nacional – corrupção e inepcia nas prefeituras desviam mais de 20 bilhões de reais por ano’. Usando a analogia das formigas de fogo, a matéria lista um grande número de prefeitos, vereadores e outras autoridades corruptas que desviam recursos federais destinados aos seus municípios e diz que o montante é enorme. Mais de 107 bilhões de reais do orçamento federal foram destinados aos 5.560 municipios no Brasil, um número que aumentou quase 70% desde 1995. Desta quantidade, ao menos 20 bilhões desapareceram através de comportamento corrupto ou inepto”.
O texto explica o programa de fiscalização de municípios a partir de sorteios públicos da CGU criado em 2003, que usa o mesmo sistema de sorteio das loterias da Caixa Econômica Federal para definir as áreas municipais e estaduais a serem fiscalizadas. “Depois de completar auditorias em 200 municípios, a CGU identificou 139 (70%) como severamente prejudicados. Apenas sete (3,5%) foram considerados com gestão clara e precisa”.
As formas de corrupção usadas pelas prefeituras também são listadas no documento: pagamentos duplos de contratos, superfaturamento, empresas fantasma, bônus extra para funcionários, nepotismo, cheques borracha, desvio de dinheiro público para contas pessoais, uso pessoal de veículos oficiais e práticas de contabilidade falsas.
Uma das questões mais preocupantes para a embaixadora, parece ser o não funcionamento dos conselhos comunitários, que deveriam supervisionar os atos dos prefeitos de dentro das cidades. “Na maioria dos casos, os conselhos foram criados apenas formalmente, mas nunca existiram reuniões e muito menos uma conduta pública real de supervisão. Imparcialidade dentro dos conselhos é rara. Muitos membros, muitas vezes funcionários da prefeitura, foram selecionados pelos prefeitos, que também eram os responsáveis pela utilização dos recursos federais”.
O documento aponta o norte e o nordeste do Brasil como as áreas com maior nível de corrupção e cita que há ligação estreita entre corrupção e “atraso político”, segundo Waldir Pires, então ministro-chefe da Controladoria-Geral da União. “Ele observa que as auditorias feitas em um pequeno número de municípios nordestinos identificou em apenas um mês o desvio de 17,7 milhões de reais da SUDENE, uma agência que foi finalmente dissolvida por corrupção endêmica e ineficácia.”
A “praga” dos vereadores
Em um segundo momento do telegrama, Hrinak diz que o governo federal também tem sua parcela de culpa. “Os municípios recebem 15% de todas as receitas ficais ao contrário das cidades do México, por exemplo, que recebem 3%. Existem mais prefeitos e vereadores do que nunca antes no país. Desde o início da década de 1990, mais de 1000 municípios foram criados, muitos sem justificativa legal, econômica ou social. O país teve de sustentar 60.276 vereadores. Uma decisão do Supremo Tribunal Eleitoral (TSE) reduziu este número a nível a 8.500, um passo que muitos acreditam estar na direção certa. Mas o congresso está lutando para aprovar uma emenda constitucional que aumentaria o numero para 51.700”.
Donna Hrinak conclui o telegrama dizendo que embora seja impossível evitar que as “formigas de fogo” piquem o orçamento público, a campanha de inspeção da CGU tem um impacto positivo ao documentar tantos casos e mostrar a dimensão do problema antes das eleições de outubro (que aconteceram naquele para prefeito e vereadores). A embaixadora americana critica e elogia, colocando que a identificação da corrupção é apenas parte da batalha: “ainda não há evidências de um plano de ação do governo brasileiro para atacar o problema com processos eficazes, resistência e atos políticos, como restabelecer os conselhos municipais”.
Em 2011, casos de corrupção nos municípios ainda recheiam páginas de jornais. Em entrevista dada `a BBC Brasil em dezembro de 2010, o ministro-chefe da Controladoria-Geral da União, Jorge Hage disse que as auditorias realizadas pela CGU junto aos municípios encontram “coisas assombrosas”.
A batalha do Supremo Tribunal Eleitoral para reduzir o número de vereadores também não deu certo. O Brasil tem hoje 51.992 vereadores e, segundo cálculos da Confederação Nacional dos Municípios, em 2013 o número deve subir para 59.708, por conta do aumento populacional registrado pelo censo do IBGE de 2010.
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